Escritos e reflexões de uma mente atordoada Fora dos ilimitados limites da razão

sexta-feira, dezembro 30, 2005

Bem perto de mim

A indesejada das gentes. Foi assim que Manuel Bandeira nomeou aquilo que foge de qualquer lógica, o que mais do que qualquer coisa é e não é: a morte. Hoje, ela chegou bem perto de mim. Minha bisavó foi alguém mais próximo de mim que ela já havia atingido antes, mas naquela época, eu não tinha mais contato com ela. Hoje, no entanto, foi a vez do meu tio.

Toda a família preocupada com a reunião no reveillon e em uma manha de sexta-feira vem a notícia. 48 anos, e ao caminhar em uma praia pela manhã de hoje, ele a encontrou. Ela como sempre, veio de forma inesperada. Não há o que dizer, o que pensar ou o que esperar. Alguns consolam-se na crença de que de alguma forma ele ainda continua a viver, mas nada anula a eterna ausência que virá. Nada anula o fato de que ele nunca mais será visto.

O mais estranho da morte é que ela traz, junto com a dor da ausência de alguém próximo a você, a certeza de que todos as pessoas com as quais você está hoje podem e certamente irão morrer um dia. Para essa certeza não há uma preparação e todos nós vivemos tentando esquecer dela. Mas aí, de uma hora para outra, alguém que ontem estava ao seu lado simplesmente desaparece desse mundo. Isso, assim como a vida, não é nada justo.

Meu tio não era alguém muito próximo a mim, mas as lembranças das conversas que já tive com ele vêm agora á minha mente e a imagem dele, aqui, sempre brincando com todos, não quer sair da minha mente. Melhor assim, ao menos fica uma boa imagem em meio a toda essa tristeza que agora domina a família.

Vemos a toda hora notícias de mortos no Iraque, no bairro mais próximo ou até mesmo na casa ao lado, mas nunca, nunca esperamos que esse brutal fenômeno chegue perto de nós. Hoje, a morte chegou bem perto de mim e o pior de tudo é saber que certamente ela irá voltar mais vezes.

quarta-feira, dezembro 28, 2005

O fim de ano em uma planeta chamado terra

Adoro o fim do ano. Aprecio infinitamente esse clima que as festas trazem. Adoro andar nas ruas cheias, ao lado de pessoas que não tem pressa e que não se preocupam com nada, nem com a hora, nem com o dinheiro e nem com o caminho que elas fecham com os seus corpos, quando param para apreciar as vitrines. Gosto principalmente dos idosos, os velozes idosos que caminham pelas estreitas e movimentadas ruas. Confesso que também aprecio as mulheres. Também as mais jovens, mas gosto principalmente daquelas de meia idade, cuja maior diversão é mesmo um dia de compras. Sou apaixonado pelo jeito com que elas caminham e olham para as vitrines, tecendo comentários entre si.

Adoro os filmes natalinos, no melhor estilo da seção da tarde. Adoro ver a neve, os inúmeros e verdadeiros papai-noeis. Adoro ver uma cultura Norte-americana natalina invadir os lares brasileiros. Adoro pensar em crianças de Rua vendo filmes sobre o natal em Nova York. Adoro as estórias desses filmes, em que tudo acaba bem e que se percebe que existe realmente um espírito natalino. Como é bom ver atores representando finais felizes de reconciliação, superação, amor e alegria. Adoro todos os filmes natalinos com um mundo de perfeição e harmonia entre as pessoas, onde até os mendigos conseguem sorrir. Adoro essa ilusão, que tanto nos ajuda a esquecer da amarga realidade que nos rodeia.

Adoro o clima alegre que o fim de ano traz. Adoro ver os sorrisos amarelos dos políticos espalhados por outdoors afora. Adoro o clima de solidariedade que reina nos corações das pessoas. Um quilo de alimento não perecível aqui, uma esmola ali, e todos ficam na mais perfeita harmonia com suas consciências. Os que nem isso fazem, apenas esquecem da miséria alheia, como fazemos durante todo o ano. É essa dissimulação que eu aprecio, pois a espécie humana tem o dom de exercê-la com maestria. Desviamos a atenção de tudo o que não nos agrada, esquecemos do outro durante todo o ano e aí chega o natal. Todo o apelo sentimentalista dessa época de festas atinge alguns alvos e em meio a fartas mesas de desperdícios natalinos, doam-se alguns quilinhos de arroz e feijão.

Adoro ver os telejornais de fim de ano. Adoro ver a alegria dos rostos resumir-se ao consumo e ao tão desejado dinheiro. Adoro ver os telejornais durante essa época. Adoro ver imagens dos shoppings lotados, as dicas de compras e aquelas crianças. Ah, as crianças e suas entrevistas. Sempre tão risonhas pedindo suas listas de presentes em rede nacional. É lindo ver pequeninos seres já tão bem adestrados pedindo exatamente o que descobriram, através da televisão, que precisam ter. Adoro ver perceber que com o tempo, elas não irão mudar. Adoro prever o futuro dessas crianças, um exército de consumistas adestrados pela mídia.

Adoro ver, entre todo o espírito de amor que o fim de ano nos traz, a verdadeira essência do ser humano. Adoro ver, ali, por trás de todas as boas ações, escondida por entre a solidariedade, camuflada entre todos os gestos de carinho e as manifestações de amor; adoro ver ali, evidenciadas as mais marcantes características dessa espécie que se acha dona do planeta terra. Esse grupo de prepotentes seres, de uma medíocre e breve existência perante todo o universo; os mesmo que acham-se senhores da verdade, mostram, em meio ao clima de fim de ano tudo o que sempre tentam esconder: a ignorância, a ganância e a hipocrisia.

sexta-feira, dezembro 23, 2005

Entrevista especial de Natal

Heráclito conversa com um ajudante de Papai Noel brasileiro*

Eu, Heráclito, o pipoqueiro cronista, pelo poder que me foi concedido pelo Jun1or, apresento-lhes a entrevista especial de Natal do Incomensurável. Papai Noel é sem sombra de dúvida a celebridade das festas de fim de ano. Todos querem autógrafos, entrevistas e fotos com o bom velhinho. Este periódico odeia a unanimidade e alimenta-se de um espírito alternativo. Por isso, resolvemos entrevistar neste natal, uma figura coadjuvante da festa. Passamos uma tarde com um dos ajudantes do Papai Noel. Para nossa surpresa descobrimos que ele era carioca. Ex-membro de uma organização policial não reconhecida pelo governo, o jovem rapaz atuava na defesa de uma fábrica de ervas no complexo do alemão, zona norte do Rio de Janeiro, local que ficou famoso pela morte do jornalista Tim Lopes. No cargo de ajudante de papai Noel, há quase 5 anos, ele nos recebeu em sua casa para uma surpreendente conversa regada a muita água ardente brasileira.

Heráclito: Bom, em primeiro lugar, como podemos chamá-lo? Você tem algum apelido carinhoso dado pelo papai Noel?

Ajudante de Papai Noel: Apelido carinhoso? Tu ta me estranhando? Ta pensando que eu pego no saco do velho? E me chame de Chumbinho, o duende, que já ta bom.

H: Sem ofensas. Agora me fale um pouco sobre esse seu local de trabalho. Eu achei que ficava no pólo norte.

Chumbinho: Ih, maluco, esse papo de pólo norte é lenda. O que que eu ia fazer num lugar frio daqueles. Prefiro o clima tropical aqui de Cuba.

H: É um tanto quando inusitado esse local você não acha? Todos os países capitalistas dependendo de uma fábrica que fica em Cuba.

C: Cara, isso é o mais louco. Sempre rolam uma manifestações aqui. No natal do ano passado, um duende barbudo fundou um movimento que só queria aceitar cartas de criancinhas comunistas. Um cara X novou ele para o chefe e aí a chapa esquentou. O velho batuta, quando ficou sabendo, parecia que estava pelado: ficou vermelho de raiva. Prendeu o barbudinho líder do movimento e mandou torturá-lo com as músicas de bandas brasileiras de axé. O maluco não resistiu nem uma dia (risadas descontroladas e escandalosas).

H: Já que você falou aí sobre comunismo, você poderia dizer se o Papai Noel usa vermelho por ser mesmo comunista?

C: Comunista? Tú ta maluco ou fumou um do bom? Nego viaja pensando que só porque ele usa vermelho ele é comunista, mas a verdade é que ele é membro de um movimento secreto chamado zaikurozosvisky. Em português algo parecido com Somente o ovo direito.

H: Ah, e qual o cunho do movimento?

C: Ih, eles são da ultra direita. São tão de direita que nenhum deles possuí o testículo esquerdo, que é cortado em um ritual que simboliza uma futura descendência exclusivamente de direita. Por isso que o papai Noel carrega um saco; é um trauma que ele tem por ter apenas um testículo.

H: Bom, era justamente o saco do Papai Noel o nosso próximo tema.

C: Ih maluco, eu sabia que tu mordia a fronha. Vai mandar esse papo aí de saco do Papai Noel para os teus nêgos.

H: Na verdade eu iria perguntar sobre os brinquedos que ele carrega no saco.

C: Ah bom (risos). Eu pensei que tu além de pipoqueiro era um desses padeiros distraídos, que gosta de queimar a rosca. (risos)

H: Eu gostaria de saber como é o processo de fabricação dos brinquedos.

C: Ah, isso é bem simples. O velho batuta do nosso patrão chega aqui com uma lista muito doida, nos entrega uns capuzes e aluga um barco. Aí, agente pega, dá um pulinho lá em Miami e passa geral ta ligado (risos). Agente mete aquela rapaziada toda de lá, as lojas, os ricaços e de quebra ainda traz umas gringas para a nossa diversão, tá ligado.

H: Quer dizer que vocês passam o ano todo de férias e quando chega a época de natal vocês comentem roubos?

C: Isso aí, brother, até que tu não é burro não hein.

H: E dá para viver disso?

C: e porque é que tu acha que eu to nessa? Tu acha que eu ía abandonar o complexo de grátis? (risos)

H: E quanto à polícia ou a fiscalização?

C: Aí, isso não é gravação para o fantástico não né? Porque se for, tu vai passar o natal igual a um leitão: assadinho e com uma maça na boca (risos).

H: Não. Isso aqui vai só para um blog mesmo.

C: blog? Ah, e eu pensando que era para algo mais importante. Ah, maluco, me dá licença que eu tenho mais o que fazer. Hoje tem passeio em Miami (risos).

Ao saber que a entrevista iria para um blog, chumbinho interrompeu a entrevista e retirou-se. Muitas dúvidas permaneceram. Não houve nem mesmo tempo para enfatizar que isso não seria publicado em qualquer blog, mas sim no Incomensurável. Fica para a próxima.

*Heráclito, o pipoqueiro, faz entrevistas, vende enfeites de natal, rabanada, peru e tudo mais o que produza dinheiro. Até escrever para o incomensurável ele escreve.

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Alívio

Se um dia eu resolver elaborar um dicionário personalizado, já posso iniciar o A com um verbete recém criado.

Alívio: Do latim alivius. S.m. 1. ato ou efeito de aliviar-se. 2. Sensação sentida quando você fica sabendo que sua ex-namorada está grávida e tem a certeza que o pai não é você. 3. Percepção de que a essa hora, o preocupado com os gastos com leite e fraldas poderia ser você. 4. Sensação comparável àquela sentida por um especialista do esquadrão de bombas que, minutos após jogar pela janela o artefato explosivo que segurava em suas mãos, assiste a uma explosão violenta.

sábado, dezembro 17, 2005

Os filmes da minha semana

Essa semana pude assistir a uma quantidade razoável de bons filmes. Poderia escrever um texto sobre cada um deles, mas isso ficaria tão empolgante quanto uma novela mexicana. Optei por resumir cada filme em um parágrafo. Para quem preferiria o estilo novela mexicana eu lamento a minha escolha, mas é que eu não me chamo Pedro Rodrigo Henrique Emanuel Hinácio escamoso.
Aí vão os filmes brevemente comentados por este que vos escreve:

Oldboy
Uma cara fica preso por 15 anos e ao sair, parte em busca de respostas e vingança. Um filme feito por aquela rapaziada do olho puxado que tem provado entender muito da sétima arte. A história se desenvolve muito bem. Destaque para a parte em que Dae Su luta contra cerca de 20 caras em um corredor: a melhor cena do filme.

Terra dos Faraós
Um filme de 1955 sobre o Egito faraônico que era para ser sério, mas que torna-se uma verdadeira comédia. Um Egito um pouco diferente com camelos, papagaios, um cara chamado senta e um faraó que reclama da poeira do deserto, entre outras bizarrices. Vale a pena assistir, especialmente se você fizer como eu e ouvir seguidamente uma palestra de um egiptólogo comentando o filme. O filme simplesmente não existe em locadoras e o único jeito de assisti-lo é esperar pela sua aparição nas madrugadas da globo. Me avise se você souber quando vai passar de novo.

Menina de ouro
Ver o filme um pouco depois de todo o frenesi que ele causou na estréia tem lá sua vantagens. Lembro que ele estreiou quase na mesma época que o espanhol “Mar adentro” que também fala sobre a polêmica da eutanásia. Este último é mais psicológico e entra profundamente nos conflitos pessoais do candidato à morte voluntária. “Menina de ouro” mostra a mesma questão sobre um outro ângulo. Nele você vai acompanhado as vitórias que a protagonista vai conquistado e quando se está junto com ela em toda a plenitude da vida e dos desafios, ocorre o inesperado. É um filme sobre vida e vitória que paradoxalmente passa pela eutanásia. Já foi incluído minha lista das 10 melhores películas do ano.

Os sonhadores
Um filme que se passa na conturbada capital francesa de 1968. Começa muito bem, mas a partir da metade vira um bacanal entre dois irmãos e outro cara. Salvam-se, na segunda metade do filme, alguns diálogos que lembram um pouco “Edukators”. Este é por sinal sem sombra de dúvida infinitamente melhor que “os sonhadores” que parece ser uma dessas películas bizarras tidas como cult.
ps: A atriz principal é muito mais linda vestida do que nua.


O massacre da serra elétrica
Diversão garantida. Não vi a primeira versão, mas gostei muito dessa belíssima refilmagem. Um estilo de filme que nunca vai sair da moda com gritos e sangue, muito sangue. As perseguições em que o maníaco corre atrás de suas vítimas são lindas. Os perseguidos enquadram-se naquele padrão de filmes de terror norte-americano: jovens idiotas que querem curtir a vida. Não há como não torcer a favor do cara que empunha a serra elétrica.

quinta-feira, dezembro 15, 2005

Em busca de coisas alegres

O dia estava amanhecendo e ao acordar, ele teve vontade de falar sobre coisas alegres. Buscou na memória todos os bons momentos pelos quais havia passado durante todo aquele ano. As vitórias, os sorrisos, as gargalhadas, o aprendizado, a experiência; tudo isso estava lá, cuidadosamente guardado na sua mente. Pode lembrar daqueles simples momentos em que há um contentamento interior único, alguns poucos minutos em que o sorriso aparece sem pedir licença e sem precisar de uma razão. Momentos singulares que nunca voltam e que ao longo dos anos apenas mandam um recado, nos tocando com um sentimento de saudosismo.

Ele lembrou de todas as coisas que passaram. Coisas alegres que se foram e que ficaram apenas na lembrança. Momentos de ilusão em meio a um passado melancólico. A alegria tem dessas coisas. Não é reflexiva, é vivida. Tão pouco é esquecida e sempre é relembrada com uma triste saudade. É estranho como o passado parece sempre ser bem melhor que o presente. Os bons momentos sempre ficaram guardados na memória e quando a eles recorreu, ele percebeu que só o fez porque a alegria não mais o fazia companhia.

Naquele dia, ele percebeu que um presente lamentável sempre se alimenta da alegria do passado, da medíocre e ilusória alegria. Uma alegria que está sempre nos entorpecendo da realidade, esta sim, um tanto quanto estúpida. Um sentido para tudo isso é o que todos buscam e criá-los é o que o ser humano aprendeu a fazer com maestria. Riquezas, religião, festas, drogas, um outro alguém; tudo parece ter o mesmo objetivo, o de suportar a falta de sentido que é a vida. E assim, seguimos, de alegria em alegria até a morte, concluiu ele.

Ao lembrar de coisas alegres, ele percebeu que jamais poderia revivê-las. Suportou o presente e mastigou toda a sua atual tristeza. Ele sentiu o sabor, o amargo sabor do fracasso, bebeu a dúvida e sentiu o aroma da dor. Assistiu a um inconstante baile, executado pelo seu edifício de crenças, prestes a desmoronar. Naquele dia, ele havia acordado com vontade de falar sobre coisas alegres, buscadas no passado, mas a dolorosa realidade do presente não permitiu que ele abrisse a boca.


sábado, dezembro 10, 2005

Qual é a sua experiência profissional?

Entrevista de emprego, primeira etapa: Uma gordinha simpática, minha mente insana, uma loira e um cara esquisito que não era eu, entre outros candidatos.

Lembrete nº1: Não era qualquer Loira. Ela uma daquelas loiras de seios fartos, corpo de academia, trajando uma vestimenta provocante. Uma dessas que não precisa falar nada para ganhar dinheiro.

Lembrete nº2: O cara esquisito era muito esquisito mesmo. Tão esquisito que o Marylin Manson passaria desapercebido se entrasse junto com ele em uma Igreja no meio da missa de domingo.

Gordinha Simpática: E então Vanessa, Qual é a sua experiência profissional?

Minha mente Insana: Eu acho que conheço essa aí de algum lugar. Se não me engano já a vi na banca de jornal perto de casa. Ela tava na capa da revista “nifetinhas fogosas”.

Loirinha: Bom, eu já trabalhei em um estabelecimento chamado Snooke´s Bar. Eu trabalhava lá à noite.

G. S.: Ah é? E o que você fazia lá?

M M I: Em um lugar com esse nome, à noite? Acho que a essa hora da manhã ela não pode dizer o que fazia. A censura não permite.

L: Bom, eu fazia de tudo..

M.M.I.: Bem que eu disse. Ramo das diversões pessoais íntimas, só pode ser.

L: ... Servia, trabalhava no caixa e tudo mais. Tinha contato direto com os clientes, sabe?

M.M.I.: Contato direto com os clientes? Agora ela se entregou. Só pode ser amiga da Bruna surfistinha. Bom, não deixa de ser uma experiência profissional.

G S: Tá bom, já basta, O próximo por favor.

Um cara esquisito: Bom, a minha única experiência profissional foi em uma loja de roupas íntimas. Abordava os homens, ou melhor as mulheres...Ah, tinham os dois tipos sabe? [sorriso estilo Clôdovil] ... Eu adorava...

M.M.I.: Pronto, onde foi que eu vim parar? Acho que entrei na sala errada....Pernas, dirijam-se para fora da sala antes que as coisas piorem...

quarta-feira, dezembro 07, 2005

O tempo, as filhas e mais loiras geladas

A chuva teimava em cair. Era mais que uma chuvinha de verão; naquele princípio de noite São Pedro estava com incontinência urinária e a tempestade castigava a cidade. Isolados na Birosca do Enéias, Marcevaldo e Eleonildo estavam quase terminando de traçar a décima terceira loira gelada, quando uma conhecida musiquinha ecoou pelo ambiente:

-Eu já ouvi essa melodia antes, constatou Valdo.
-É o meu celular, essa é a música preferida da minha filhinha.
-“Catuca”, do bonde das tchutchuquinhas é a música preferida da sua “filhinha”?
-É sim, por que? Ah, deixa eu atender logo o telefone.
...

-Minha filha é mesmo um anjo. Está perguntando que horas volto para casa. Deve estar com medo da chuva, ela está sozinha em casa.
-Quantos anos tem mesmo a sua filha Nildo?
-Acabou de fazer 14. Está crescendo rapidamente.
-Sei como é...
-Ah, mas diga-me, e o Zé desceu, porque será que ele não conseguiu ser absolvido?
Marcevaldo, um tanto quanto pensativo, disparou:

-Sexo, só pode ser isso.
-Sexo? O Zé desceu foi cassado por causa de sexo?
-Não, a sua filha.
-Minha filha?

-É, essa tática é mais velha que os peitos da Dercy Gonçalves. Ela liga para ter certeza que você vai demorar e então liga para o namorado, ele vai lá e eles transam. Essa juventude de hoje em dia ta muito esperta né?

Eleonildo franze a testa, levanta da cadeira, olha desesperadamente para todos os lados, mais desnorteado que capa de revista masculina em biblioteca e diz:

-Não pode ser, eu vou para casa agora mesmo.
-Calma Nildo, espera a chuva passar.
-Não pode ser, minha filha, namorado, sexo, Nãooooooooooo.
-Senta aqui Nildo, vamos tomar mais uma. Enéias, desce mais uma aqui.
-É, desce mais uma aqui. Essa hora ela deve estar lá com ele.
-Para de pensar nisso, Nildo, a vida é assim mesmo.
-Assim como?

-Assim, você cria uma filha com todo o carinho, coloca lacinho rosa nela, vestidinho rendado, todos acham uma gracinha e por muito tempo ela fica sendo a sua princesinha. Mas o tempo, Nildo, escreva isso, o tempo destrói tudo. O tempo passa, acaba com a sua princesinha e você nem percebe. Aí, quando você cai na real, sua querida filha está dando uns amaços com um carinha qualquer no sofá da sua casa.

-No sofá? Não pode ser.
-Ela pode estar usando a cama também.
-Na cama? A cama da barbie que eu revirei a cidade para achar do jeito que ela queria? Não pode ser.
-Na dela não. Ela pode estar na sua mesmo. Os jovens adoram camas de casal.
-Eu não quero tentar imaginar isso, vamos mudar de assunto.
-Bom, você é quem sabe.
-Vamos falar sobre coisas alegres.
-Ah, sabe o que eu fiquei sabendo? O casamento gay vai ser legalizado na Inglaterra.
-Valdo, Eu disse coisas alegres, e não coisas gays.
-Então, isso não é alegre? O Elton John e o George Michael já até marcaram a data da cerimônia com os seus respectivos namorados.
-Acho que empreguei a palavra errada.
-Você sabia que gay também pode significar alegre em inglês?
-ah é? Então eu acho que nunca serei feliz em algum país de língua inglesa.
-Essa foi boa, o seu humor ta até melhorando.
-Isso não pode ser verdade. Primeiro eu descubro que a minha filha, a minha amada filha,minha princezinha, pode estar....nem quero pensar nisso. Depois eu descubro que os gays estão até se casando. Isso não pode estar acontecendo, acho que eu bebi demais.
-São os tempos modernos meu amigo e sinto lhe informar, mas isso está acontecendo sim. Ou será que nós bebemos demais? Éneias, manda mais uma gelada aí.
-É, meu amigo barbudo, manda mais uma que eu tô precisando.

* Eleonildo e Marcevaldo são assíduos frequentadores da birosca do Enéias. Eis um outro relato sobre eles: "Alces, presidentes e loiras geladas"




domingo, dezembro 04, 2005

Um domingo desafiador

Domingos são sempre ocasiões singulares para encontros familiares. Unidos, os membros de uma mesma família podem conversar, divertir-se, trocar experiências e o melhor de tudo: assistir à programação televisiva juntos. Um perfeito domingo com a família contém algumas provas de fogo, que ao término, provam a capacidade de resistência do desafiante. São elas:

- Ouvir comentários do tipo “Nossa, hoje o domingo legal vai estar muito bom” e ficar calado.

- Assistir ao jogo do Corinthians.

- Ver criancinhas “fofas” e desafinadas cantarem sucessos no programa do Raul Gil.
- Ter que opinar acerca da “liberdade sexual” dos jovens de hoje em dia.

- Ouvir várias risadas durante a exibição da “a praça é nossa” acompanhadas de lamentos do tipo “a praça mudou de horário, que droga! Todo sábado eu assistia zorra total e depois mudava para ver a praça é nossa.


O desafiante que, ao longo de 7 horas de um domingo ao lado da família, passar por essas e muitas outras provas de resistência, poderá incluir a paciência na sua lista de habilidades e estará preparado para os mais desafiadores desafios.

sexta-feira, dezembro 02, 2005

Uma noite no bingo

A noite já havia caído sobre aquela pacata cidadezinha e o evento mais esperado da semana “bombava” no salão nobre do clube oficial dos eméritos jogadores de Purrinha. O público lotava o recinto, com olhos e ouvidos atentos no palco.

-Dois patinho na lagoa – anuncia o cantador de bingo mais famoso de idosolandia.

-Eu ganhei – grita freneticamente um apostador, enquanto pula como um coelho no cio, se é que coelho precisa entrar no cio.

-Eu não acredito nisso, esse cara não pode ter ganho de novo

-É meu amigo, eu acho que essa é a terceira vez que ele ganha esse mês.

-Esse filho de uma modelo que faz nu artístico, tomara que ele morra.

-Não desmarquem suas cartelas, vamos conferir os números marcados pelo senhor Sortunelson – chama a atenção vozicleison, o cantador oficial do bingo.

-Tá vendo Austregésio, ainda temos uma chance. Ele não precisa necessariamente morrer.

-É Eteosvaldo, pode acontecer um acidente também.

-Meu amigo, você está falando como aqueles psicopatas de filmes norte-americanos. E esse seu sorrisinho, foi digno de deputado-federal defendendo-se em CPI.

-Por falar em deputado, você viu o que aconteceu com o José Desceu?

-Vi, desceu literalmente.

-Eu queria mesmo era dar uma bengalada naquele safado.

-É, acho que alguém teve essa idéia antes de você.

-Aquilo foi um absurdo. Ele usou a milenar arte das bengaladas incorretamente.

-Ah é? E como você teria feito?

-Ele deveria ter aplicado o golpe secreto do mestre Pai-mãe-tia-sobrinho. Aquele em que a bengala atinge o alvo à uma velocidade constante na inclinação do ângulo secreto, no ponto fraco situado a 17 comprimidos do peito.

-ah, uma bengalada no saco né?

-Exatamente.

-E o senhor Sortunelson, realmente ganhou. Aplaudam o nosso vencedor desta noite, anuncia Vozicleison.

-Mas que droga, grita Austregésio enquanto dá um soco na mesa.

-Liga não, na próxima agente ganha. Espera aí, tá acontecendo algo com o Surtunelson.

No palco, o vencedor daquela noite começou a balançar-se mais que bunda de dançarina de axé e ofegante deu de cara no chão. Fora muita emoção para aquele coração de 92 anos. Todos apavorados, tentavam não ver o óbvio. Seu Sortunelson havia partido, deixado este plano, ido dessa para melhor; enfim, o velho tinha batido a caçuleta. O silêncio apreensivo de todos misturado a uma orquestra de choros da terceira idade embalava o transporte do corpo para fora do salão. Foi quando Austregésio levantou-se e, lentamente caminhou até o palco. Ele olhou para Vozicleison e pediu o microfone para dar uma palavrinha. O cantador de bolinhas em silêncio baixou a cabeça e lhe entregou o instrumento de duplo sentido. Seu Vozicelison pegou o microfone, olhou atentamente para todos no salão e disse:

-Já que morto não pode ganhar bingo, vamos continuar logo com isso que só tão faltando 2 pedras para eu gritar Bingo.