Escritos e reflexões de uma mente atordoada Fora dos ilimitados limites da razão

sexta-feira, dezembro 02, 2005

Uma noite no bingo

A noite já havia caído sobre aquela pacata cidadezinha e o evento mais esperado da semana “bombava” no salão nobre do clube oficial dos eméritos jogadores de Purrinha. O público lotava o recinto, com olhos e ouvidos atentos no palco.

-Dois patinho na lagoa – anuncia o cantador de bingo mais famoso de idosolandia.

-Eu ganhei – grita freneticamente um apostador, enquanto pula como um coelho no cio, se é que coelho precisa entrar no cio.

-Eu não acredito nisso, esse cara não pode ter ganho de novo

-É meu amigo, eu acho que essa é a terceira vez que ele ganha esse mês.

-Esse filho de uma modelo que faz nu artístico, tomara que ele morra.

-Não desmarquem suas cartelas, vamos conferir os números marcados pelo senhor Sortunelson – chama a atenção vozicleison, o cantador oficial do bingo.

-Tá vendo Austregésio, ainda temos uma chance. Ele não precisa necessariamente morrer.

-É Eteosvaldo, pode acontecer um acidente também.

-Meu amigo, você está falando como aqueles psicopatas de filmes norte-americanos. E esse seu sorrisinho, foi digno de deputado-federal defendendo-se em CPI.

-Por falar em deputado, você viu o que aconteceu com o José Desceu?

-Vi, desceu literalmente.

-Eu queria mesmo era dar uma bengalada naquele safado.

-É, acho que alguém teve essa idéia antes de você.

-Aquilo foi um absurdo. Ele usou a milenar arte das bengaladas incorretamente.

-Ah é? E como você teria feito?

-Ele deveria ter aplicado o golpe secreto do mestre Pai-mãe-tia-sobrinho. Aquele em que a bengala atinge o alvo à uma velocidade constante na inclinação do ângulo secreto, no ponto fraco situado a 17 comprimidos do peito.

-ah, uma bengalada no saco né?

-Exatamente.

-E o senhor Sortunelson, realmente ganhou. Aplaudam o nosso vencedor desta noite, anuncia Vozicleison.

-Mas que droga, grita Austregésio enquanto dá um soco na mesa.

-Liga não, na próxima agente ganha. Espera aí, tá acontecendo algo com o Surtunelson.

No palco, o vencedor daquela noite começou a balançar-se mais que bunda de dançarina de axé e ofegante deu de cara no chão. Fora muita emoção para aquele coração de 92 anos. Todos apavorados, tentavam não ver o óbvio. Seu Sortunelson havia partido, deixado este plano, ido dessa para melhor; enfim, o velho tinha batido a caçuleta. O silêncio apreensivo de todos misturado a uma orquestra de choros da terceira idade embalava o transporte do corpo para fora do salão. Foi quando Austregésio levantou-se e, lentamente caminhou até o palco. Ele olhou para Vozicleison e pediu o microfone para dar uma palavrinha. O cantador de bolinhas em silêncio baixou a cabeça e lhe entregou o instrumento de duplo sentido. Seu Vozicelison pegou o microfone, olhou atentamente para todos no salão e disse:

-Já que morto não pode ganhar bingo, vamos continuar logo com isso que só tão faltando 2 pedras para eu gritar Bingo.