Uma noite no bingo
A noite já havia caído sobre aquela pacata cidadezinha e o evento mais esperado da semana “bombava” no salão nobre do clube oficial dos eméritos jogadores de Purrinha. O público lotava o recinto, com olhos e ouvidos atentos no palco.
-Dois patinho na lagoa – anuncia o cantador de bingo mais famoso de idosolandia.
-Eu ganhei – grita freneticamente um apostador, enquanto pula como um coelho no cio, se é que coelho precisa entrar no cio.
-Eu não acredito nisso, esse cara não pode ter ganho de novo
-É meu amigo, eu acho que essa é a terceira vez que ele ganha esse mês.
-Esse filho de uma modelo que faz nu artístico, tomara que ele morra.
-Não desmarquem suas cartelas, vamos conferir os números marcados pelo senhor Sortunelson – chama a atenção vozicleison, o cantador oficial do bingo.
-Tá vendo Austregésio, ainda temos uma chance. Ele não precisa necessariamente morrer.
-É Eteosvaldo, pode acontecer um acidente também.
-Meu amigo, você está falando como aqueles psicopatas de filmes norte-americanos. E esse seu sorrisinho, foi digno de deputado-federal defendendo-se em CPI.
-Por falar em deputado, você viu o que aconteceu com o José Desceu?
-Vi, desceu literalmente.
-Eu queria mesmo era dar uma bengalada naquele safado.
-É, acho que alguém teve essa idéia antes de você.
-Aquilo foi um absurdo. Ele usou a milenar arte das bengaladas incorretamente.
-Ah é? E como você teria feito?
-Ele deveria ter aplicado o golpe secreto do mestre Pai-mãe-tia-sobrinho. Aquele em que a bengala atinge o alvo à uma velocidade constante na inclinação do ângulo secreto, no ponto fraco situado a 17 comprimidos do peito.
-ah, uma bengalada no saco né?
-Exatamente.
-E o senhor Sortunelson, realmente ganhou. Aplaudam o nosso vencedor desta noite, anuncia Vozicleison.
-Mas que droga, grita Austregésio enquanto dá um soco na mesa.
-Liga não, na próxima agente ganha. Espera aí, tá acontecendo algo com o Surtunelson.
No palco, o vencedor daquela noite começou a balançar-se mais que bunda de dançarina de axé e ofegante deu de cara no chão. Fora muita emoção para aquele coração de 92 anos. Todos apavorados, tentavam não ver o óbvio. Seu Sortunelson havia partido, deixado este plano, ido dessa para melhor; enfim, o velho tinha batido a caçuleta. O silêncio apreensivo de todos misturado a uma orquestra de choros da terceira idade embalava o transporte do corpo para fora do salão. Foi quando Austregésio levantou-se e, lentamente caminhou até o palco. Ele olhou para Vozicleison e pediu o microfone para dar uma palavrinha. O cantador de bolinhas em silêncio baixou a cabeça e lhe entregou o instrumento de duplo sentido. Seu Vozicelison pegou o microfone, olhou atentamente para todos no salão e disse:
-Já que morto não pode ganhar bingo, vamos continuar logo com isso que só tão faltando 2 pedras para eu gritar Bingo.