Escritos e reflexões de uma mente atordoada Fora dos ilimitados limites da razão

quarta-feira, dezembro 28, 2005

O fim de ano em uma planeta chamado terra

Adoro o fim do ano. Aprecio infinitamente esse clima que as festas trazem. Adoro andar nas ruas cheias, ao lado de pessoas que não tem pressa e que não se preocupam com nada, nem com a hora, nem com o dinheiro e nem com o caminho que elas fecham com os seus corpos, quando param para apreciar as vitrines. Gosto principalmente dos idosos, os velozes idosos que caminham pelas estreitas e movimentadas ruas. Confesso que também aprecio as mulheres. Também as mais jovens, mas gosto principalmente daquelas de meia idade, cuja maior diversão é mesmo um dia de compras. Sou apaixonado pelo jeito com que elas caminham e olham para as vitrines, tecendo comentários entre si.

Adoro os filmes natalinos, no melhor estilo da seção da tarde. Adoro ver a neve, os inúmeros e verdadeiros papai-noeis. Adoro ver uma cultura Norte-americana natalina invadir os lares brasileiros. Adoro pensar em crianças de Rua vendo filmes sobre o natal em Nova York. Adoro as estórias desses filmes, em que tudo acaba bem e que se percebe que existe realmente um espírito natalino. Como é bom ver atores representando finais felizes de reconciliação, superação, amor e alegria. Adoro todos os filmes natalinos com um mundo de perfeição e harmonia entre as pessoas, onde até os mendigos conseguem sorrir. Adoro essa ilusão, que tanto nos ajuda a esquecer da amarga realidade que nos rodeia.

Adoro o clima alegre que o fim de ano traz. Adoro ver os sorrisos amarelos dos políticos espalhados por outdoors afora. Adoro o clima de solidariedade que reina nos corações das pessoas. Um quilo de alimento não perecível aqui, uma esmola ali, e todos ficam na mais perfeita harmonia com suas consciências. Os que nem isso fazem, apenas esquecem da miséria alheia, como fazemos durante todo o ano. É essa dissimulação que eu aprecio, pois a espécie humana tem o dom de exercê-la com maestria. Desviamos a atenção de tudo o que não nos agrada, esquecemos do outro durante todo o ano e aí chega o natal. Todo o apelo sentimentalista dessa época de festas atinge alguns alvos e em meio a fartas mesas de desperdícios natalinos, doam-se alguns quilinhos de arroz e feijão.

Adoro ver os telejornais de fim de ano. Adoro ver a alegria dos rostos resumir-se ao consumo e ao tão desejado dinheiro. Adoro ver os telejornais durante essa época. Adoro ver imagens dos shoppings lotados, as dicas de compras e aquelas crianças. Ah, as crianças e suas entrevistas. Sempre tão risonhas pedindo suas listas de presentes em rede nacional. É lindo ver pequeninos seres já tão bem adestrados pedindo exatamente o que descobriram, através da televisão, que precisam ter. Adoro ver perceber que com o tempo, elas não irão mudar. Adoro prever o futuro dessas crianças, um exército de consumistas adestrados pela mídia.

Adoro ver, entre todo o espírito de amor que o fim de ano nos traz, a verdadeira essência do ser humano. Adoro ver, ali, por trás de todas as boas ações, escondida por entre a solidariedade, camuflada entre todos os gestos de carinho e as manifestações de amor; adoro ver ali, evidenciadas as mais marcantes características dessa espécie que se acha dona do planeta terra. Esse grupo de prepotentes seres, de uma medíocre e breve existência perante todo o universo; os mesmo que acham-se senhores da verdade, mostram, em meio ao clima de fim de ano tudo o que sempre tentam esconder: a ignorância, a ganância e a hipocrisia.