Escritos e reflexões de uma mente atordoada Fora dos ilimitados limites da razão

domingo, setembro 18, 2005

A Barata

-Amorrrrrrrrrrrrrrrrrr, corre aqui que tem um bicho horrível na cozinha, gritou Analaiúde em um tom tão alto que poderia quebrar as vidraças do palácio de cristal se ele não fosse tão longe. Teosvaldo, que estava vendo os gols do Brasileirão, a princípio fingiu que não ouviu, mas os gritos de sua recém desposada amada eram tão insistentes que ocuparam-lhe todos os cinco sentidos. Ele levantou-se lentamente da cama e ao chegar na cozinha deu de cara com lauidizinha, como ele carinhosamente lhe chamava, em cima da mesa, quase tirando a recém comprada camisola do corpo. Aquela visão deixou Teosvaldo tão empolgado que ele nem mesmo reparou no inseto que estava quase aos seus pés.
-Olha aí, valdinho, ela vai te pegar, avisou Analaiúde.
-Pega nada, É só uma baratinha, afirmou em um tom de voz mais grosso que o normal, o homem da casa.
-Mata logo ela, ou será que você está se identificando com o fato de ela não pegar nada também, atirou-lhe na cara, Analaiúde enquanto ainda se equilibrava na mesa.
-Eu já disse que isso nunca havia acontecido comigo antes.
-É o que todos dizem.
-Como assim todos? Até parece que você tem experiência nessa área.
-Não tenho experiência, mas tenho conhecimento para falarrrrrraiiiiiiiiiiiii. Ela ta se mexendo.
-Ela quem, sua experiência?
-Não, A Barata né Teosvaldo.
-Ah, já que você quer dar fim à existência desse inocente ser, eu vou satisfazer o seu desejo de morte agora.
-Mata logo ela e para de enrolar com esse teu vocabulário de poeta frustrado.
-Eu, poeta frustrado? Saiba você, que na área as letras, os gênios são revelados quase sempre após os 40 anos, alguns até com 50.
-Ah é? E os broxas, são revelados com quantos anos? Com 32?
- Você sempre leva a discussão para esses termos, isso prova a sua falta de argumentos.
-Quem tem falta de alguma coisa aqui é você e ela vai fugir hein.
-Ela vai fugir? Você não chamava de ele?
-Acorda Teosvaldo, Eu to falando da Barata, que aliás ao contrário dele está viva, bem viva.
Smack, o estalo ecoou por toda a cozinha e a barata finamente morreu.
-Estava viva, porque agora ela já foi dessa para melhor, declarou o assassino.
-Poxa, Valdinho, também não precisava esmagar ela né, coitada.
-Você queria o que? Que eu desse uma injeção letal para ela não sentisse dor? Eu não entendo as mulheres.
-E nem precisa, só precisa me entender.
-E isso é que parece ser o mais difícil.
-É nada, é só você me tratar com jeitinho, igualzinho na nossa lua de mel, lembra?
-Se lembro, aquele hotel tinha um campo de futebol perfeito com uma grama lisinha. Pena que agente nunca conseguia completar dois times certinho.
- Eu tava falando de nós, seu cachorro.
-Ah, sim claro. Da lua de mel você não tem nenhuma reclamação quanto ao meu desempenho, tem?
-Muito pelo contrário. Aliás, que tal agente fazer uma reprise com os melhores momentos hein.
-É pra já, Teosvaldo sentenciou antes de pegar sua lauidizinha no colo e ir em direção ao quarto. Ele já estava preparado para literalmente levantar sua alto-estima quando da boca dela veio outro grito:
-Aiiiiiiiiiiiiiiii, Socorro, outra barata, Socorro!
O motivo do grito de Analaiúde, dessa vez possuía asas e deu muito mais trabalho à Teosvaldo. O caçador de baratas com quem Analaiúde havia se casado, pulou, correu, deu chineladas e usou a inseticida, mas em 10 minutos de caça, o único resultado era o barulho. Os gritos de lauidizinha foram tão enérgicos que no dia seguinte Manoelzão, o vizinho do apartamento de baixo, ao encontrar Teosvaldo no elevador, saudou-o com um tapinha nas costas e após um sorrisinho disse:
-A coisa foi boa ontem lá hein.
Na verdade, a noite anterior não havia deixado muitas lembranças boas para Teosvaldo. A barata, depois de ser energicamente caçada conseguiu fugir pela janela e Analaiúde, ao invés de dor de cabeça, teve medo do retorno da barata.
-Mas a janela já tá fechada meu amor, tentava Teosvaldo, mas nada tirou dela o medo da barata, que por mais estranho que possa parecer, logo a fez cair no mais profundo sono. Ele, antes de fechar os olhos prometeu para si mesmo que no dia seguinte iria detetizar a casa e os dois, suados e exaustos dormiram.