O futuro é uma aguardada e indigesta pizza
Heráclito, o pipoqueiro cronista*
Hoje fui convidado para almoçar. O cardápio seria surpresa, uma espécie de brincadeira do pessoal aqui da área. Mostrei a minha educação em público e sentei-me na cadeira, não na mesa. Esperei pela refeição com uma expectativa nunca antes experimentada. Todos cochichavam ao meu redor, tentado dificultar a minha espera, até que o garçom chegou. Esperava finalmente assassinar a minha curiosidade como um serial killer, mas o Genoílson, o balconista na birosca do Jonas, entregou um papelzinho para o garçom e dirigiu-me uma risadinha.
Hoje fui convidado para almoçar. O cardápio seria surpresa, uma espécie de brincadeira do pessoal aqui da área. Mostrei a minha educação em público e sentei-me na cadeira, não na mesa. Esperei pela refeição com uma expectativa nunca antes experimentada. Todos cochichavam ao meu redor, tentado dificultar a minha espera, até que o garçom chegou. Esperava finalmente assassinar a minha curiosidade como um serial killer, mas o Genoílson, o balconista na birosca do Jonas, entregou um papelzinho para o garçom e dirigiu-me uma risadinha.
-Pensou que ia ser tão fácil assim? Disparou o Josicleison, flanelinha muito gente boa, um debochador de carteirinha. –Dessa vez agente consegue te pegar.
A Brincadeira é simples. Toda sexta-feira agente almoça no Amareladinho, uma imitação barata do Amarelinho, e cada semana um de nós precisa adivinhar o prato do dia de olhos vendados. Se acertar, ganha além do almoço grátis, a admiração da Marineide, a garçonete e uma boa bolada, a soma das apostas.
Naquele dia havia algo de estranho no clima do Amareladinho. As coisas pareciam estar do mesmo jeito à primeira vista. Executivos de 10º categoria, daqueles que de executivo só tem o terno e a gravata, almoçavam e conversavam sobre futebol enquanto deixavam à mostra os alimentos sendo mastigados. Casais de futuros amantes trocavam elogios tão superficiais quanto loiras famosas e imaginavam como seria a noite. Um Velho bêbado era chutado para fora do estabelecimento e juntava-se na porta aos mendigos que esperavam a única coisa que poderia ser deles, as sobras. Apesar dessa aparente normalidade, um ar insólito enchia o Amareladinho naquela tarde.
Ao contrário das outras vezes, em que eu sempre esperava a comida chegar, para através do meu apurado faro, reconhecer a iguaria, naquela tarde eu estava em dúvida entre dois pratos antes mesmo da comida ser servida. Os meus cálculos de probabilidade apontavam para um suculento bife com fritas, mas eu bem lá no fundo, sentia que iria saborear uma pizza. Estava eu com minhas divagações, quando finalmente vendaram os meus olhos. Dessa vez, no entanto, o garçom demorou mais que o normal para chegar e eu fiquei ali, com a dúvida martelando minha mente. Não poderia ser uma pizza, pensava eu. Isso seria óbvio demais. Essa iguaria italiana já havia finalizado o nosso almoço de sexta-feira várias vezes e não parecia que ela iria voltar a estrelar o nosso evento semanal. Todos queriam que eu perdesse dessa vez, o que nunca acontecia e se o prato fosse uma simples pizza, eles sabiam que eu iria adivinhar facilmente. Isso porque eu adoro pizza quase tanto quanto pipoca.
Depois de todo o esforço para me vencer, ninguém poderia esperar uma pizza. Longas horas devem ter sido gastas com o planejamento desse momento e o desfecho de tudo isso teria um público maior que o de costume. Todos que estava presentes no restaurante levantaram-se e aproximaram-se da mesa, para aguardar o prato principal. Executivos, verdadeiros e falsos, garçonetes e até aqueles que nunca se interessam por esse tipo de evento, estavam atentos à minha mesa. Disseram-me até que “o diário das biroscas”, um renomado periódico, havia mandado um fotógrafo para registrar o momento.
O garçom desembarcou o prato na minha mesa e a minha voz interior confirmou que era uma pizza, uma suculenta pizza de calabresa com muita cebola. Eu quase não podia acreditar e pude até mesmo descobrir o que estava estranho no Amareladinho. Todos, absolutamente todos preferiam não acreditar na pizza, mas eles, bem lá no fundo, esperavam por ela. Foi aí que eu dei o meu palpite e ao retirar as vendas, tive a confirmação. Era mesmo uma apetitosa pizza que estava à minha frente, e isso não me surpreendeu. O que mais que causou estranhamento foi a reação de todos os que estavam no restaurante. Eles lamentaram, reclamaram, alguns até riram, mas nenhum, nem uma viva alma, fez algo. Eles apenas conformaram-se e voltaram para a rotina de cabeça baixa. Todos na minha mesa lamentaram, mas riram, riram como nunca haviam mostrado os dentes antes. Todo o esforço, toda a motivação inicial, o empenho e a crença de que as coisas iriam ser diferentes; tudo isso chegou ao fim assim como tudo há de terminar e Tudo, absolutamente tudo acabou em pizza.
*Heráclito, o pipoqueiro cronista, relata os “causos” de sua agitada vivência como pipoqueiro sempre que pode.