Escritos e reflexões de uma mente atordoada Fora dos ilimitados limites da razão

sexta-feira, agosto 05, 2005

Um espetáculo chamado CPI

Heráclito, o pipoqueiro cronista*

Quatro horas, trinta e dois minutos e 29 segundos de um dia de semana, Rio de Janeiro. Vejo gente, muita gente além do número comum que a essa hora costuma passar por aqui. Finalmente, alguém se aproxima da minha carrocinha e então eu posso resolver a minha dúvida quase insolúvel. Trata-se do Cleonildo, um cara gente boa, tipo franzino, cabelos curtos e olhar conformado. Chega logo pedindo o de sempre:
-E aí mestre, manda aquela pipoquinha caprichada de sempre, pode ser?
-Pode deixar que se há uma coisa que eu sei fazer bem, é pipoca. -Você que é um cara bem informado, me diz o que houve que isso aqui ta tão cheio. Por acaso houve uma demissão coletiva hoje?
- Que isso, mestre, nem brincando diga isso. O meu chefe só liberou a galera para acompanhar a CPI dos correios.
- Até parece que alguém vai querer ver aquilo, disse eu no auge da minha falta de informação, para não dizer ignorância.
- Ih, tu ta por fora. A rapaziada ta vendo mais CPI do que jogo de futebol. Aquilo é muito bom cara. Não tem como ter empate, pois com o Roberto Jefferson em campo, ou melhor, em plenário, sempre tem um gol, ou melhor, uma denúncia nova. Além disso, mestre, o cara é muito comédia e quando ele vai falar, é só esperar e preparar uma gargalhada.
- Vossa excelência está atrasado, a parada já vai começar e o primeiro a falar vai ser o bob Jefferson, disse um meliante, conhecido do Cleonildo. –Vamos logo, antes que lote a birosca do Jonas.

Pipoca pronta, Cleonildo despediu-se de mim e correu para o ponto de encontro da rapaziada, o local mais famoso e mais bem freqüentado da área, a birosca do Jonas. O dono da birosca realmente sabe se adaptar as ondas do momento e é um cara antenado ao mundo da política. Logo que o Severino Cavalcanti assumiu a presidência da Câmara, por exemplo, ele logo colocou uma plaqueta em cima do vaso sanitário do seu banheiro. Em letras miúdas era possível ler:
“VASO SEVERINO; UMA MERDA ATRÁS DA OUTRA. MANTENHA-O BEM CUIDADO, PARA QUE ELE NÃO LHE FAÇA OPOSIÇÃO”.

A placa teve que ser tirada logo depois, devido a uma reclamação do porteiro do prédio ao lado e fiel cliente da birosca que por um acaso era proprietário da mesma graça do deputado. Alguns sugeriram especificar na placa que se tratava do deputado Severino, mas o Jonas preferiu retirar a placa e colocar a antiga mensagem:
“AQUI MÃO É IGUAL À SUA CASA. SUA MULHER NÃO VIRÁ LIMPAR O VASO, PORTANTO DEFEQUE COM DESCÊNCIA E ORDEM”.

Muita gente disse que preferia a antiga placa, mas logo as reclamações cessaram. Agora para aproveitar a onda do mensalão, o Jonas instalou um telão e toda vez que acontece um depoimento, a sua birosca fica lotada de torcedores. Ele fatura com o público que, aliás, adorou a idéia.

O brasileiro encontrou na CPI mais uma diversão. Agora, além de comentar sobre os gols da rodada, a rapaziada se reúne na birosca do Jonas para falar sobre as últimas firulas dos relatores e especialmente sobre as constantes pexotadas dos acusados. Um depoimento de CPI reúne vários programas em um só. Tem suspense, com a expectativa acerca da próxima denúncia do Bob Jefferson. Tem ação com os acalorados discursos e tem também muito humor, com deputados que ficam mandando beijinhos para a câmera e com as falas do Bob Jefferson. Além disso, nas atuais CPI’s o que não tem faltado é comercial de produtos de limpeza. O que mais aparece são garotos propagandas de óleo de peroba, tremendos cara de paus que omitem a verdade descaradamente. Destaque para a madame que era dona, mas que não sabia de nada que acontecia nas suas empresas e que tinha quatro misteriosos milhões em sua conta.

Assim caminha o Brasil com uma CPI atrás da outra. As atuais estão virando verdadeiros espetáculos, e o brasileiro, ao contrário do que muitos dizem, está sabendo assistir ao jogo do poder muito bem. A diversão, esse povo procura em qualquer lugar e não seria diferente com a CPI. Agora é só ver onde as coisas vão parar e esperar mais denúncias estourarem como milhos e mais dos nossos representantes pipocarem freneticamente.



*Heráclito, o pipoqueiro cronista escreve para o incomensurável sempre que pode. Seus textos trazem mais surpresas que os depoimentos do Roberto Jefferson.