Escritos e reflexões de uma mente atordoada Fora dos ilimitados limites da razão

quinta-feira, julho 07, 2005

Sem João mas com Lula


Heráclito, o pipoqueiro cronista*

A imprensa sensacionalista daria a alma que não tem para estar lá. O Amaury Jr. ofereceria algo que ele doa com prazer para entrevistar os convidados do evento com suas perguntas inteligentíssimas. A globo daria o Galvão Bueno por um link na festa, o que seria aliás, a primeira benfeitoria do império do falecido Roberto Marinho para a nação. Até a Hebe Camargo abdicaria do seu chiquérrimo programa no sbt por um furo de reportagem na festa, outro favor para o povo brasileiro, dessa vez por parte do Silvio Santos. Todos queriam estar lá, mas só eu, um humilde pipoqueiro consegui acesso à festa de São João da granja do torto.

O convite veio de uma forma um tanto quanto inesperada e trouxe-me a suspeita de estar sendo vítima de um seqüestro. Tudo começou no sábado, quando eu estava aproveitando a minha folga, lendo o novo livro do Jô Soares no mais antigo parque público da cidade, o passeio público De repente eu ouvi o tema do 007. Olhei em volta, mas nada havia além da alguns mendigos e um casal cujas mãos estavam tendo aula prática da anatomia humana. Foi então que notei que o som na verdade vinha de um celular que se encontrava logo atrás do banco onde eu estava sentado. Como a musiquinha não parava e já que eu não gosto de trilhas sonoras para a minha leitura, resolvi atender o telefone móvel. Era um daqueles celulares da época das cavernas, um típico tijolão. Do outro lado da linha uma voz misteriosa disse que iria passar para me pegar no local combinado em cinco minutos. Sem entender nada, fiz o que deveria ser feito e me dirigia à saída do parque, quando um opala - sim um opala com vidro preto, um daqueles dos filmes da sessão da tarde – parou do meu lado e quando eu retomei a consciência já estava no interior do veículo.

Companheiro Etenildo, começava eu a ler no papel dobrado que estava no banco ao meu lado, desculpe a forma com que eu pude abordar você, mas é que você sabe como estão as coisas para o meu lado. O último cara para quem eu disse que daria um cheque em branco está dando uma de metralhadora giratória e toda a vez que abre aboca detona alguém do meu governo. Dessa forma, está difícil confiar nas pessoas e até a minha sombra estás sendo revistada pela segurança em busca de uma câmera escondida.
O que eu queria mesmo lhe dizer é que você é um grande amigo e um excelente pipoqueiro. Por isso, eu estou lhe trazendo para a festa julina organizada pela Mariza aqui na granja do torto. Atrás do banco você tem o pagamento adiantado, fora as despesas com a passagem de avião e a sua estadia aqui. Espero que o companheiro entenda a forma com que eu lhe contactei.
Atenciosamente, seu velho cliente Lula.

Eu realmente não acreditei no que estava escrito naquela carta. Estiquei o braço atrás do banco e peguei um envelope onde estavam depositados R$500,00 em notas de 100. A remuneração até que não era das piores. Era muita coicindência o presidente me confundir com outro pipoqueiro. Achei que a aventura seria interessante e daria um bom texto sobre aquela cobiçada festa caipira. Cheguei a Brasília e não tive contato com ninguém. Logo estava eu, vestido a caráter, atrás da mais moderna carrocinha de pipocas que eu já havia visto. Os convidados adoraram as minhas pipocas.

A festa estava muito animada e toda a cúpula do governo estava presente. Tinha até uma banda de forró pé de serra, cujo ritmo empolgou tanto o Severino Cavalcante que ele puxou uma “loira tentadora” para dançar. A quadrilha estava toda reunida e dona Mariza comandou a evolução dos casais aos gritos de :
Hora do balaço econômico, cavalheiros e damas juntem-se.
Olha a cpi!
É mentira!
Olha o Bob Jefferson dando entrevista coletiva!
É mentira!
Olha a mala do Marcos Malério!
É mentira!
Olha a secretária do Marcos Malério denunciando!
É mentira!
Olha a câmera escondia!
É mentira!

No pau de sebo ninguém conseguiu subir e o que chegou mais próximo do topo foi o presidente. Todos haviam depositado suas esperanças no Lula, mas as expectativas foram frustradas e ele caiu de uma hora para outra, exatamente como os outros que haviam tentado antes dele.
A fartura era grande e todas as comidas típicas estavam lá: a pamonha do presidente estava ótima, a batata de todos os petistas estava assando rapidamente, muito bem passada e o Quentão estava tão quente que deixou o José Desceu ainda mais queimado.
Estava eu ali, fazendo pipocas em um verdadeiro trabalho antropológico de campo, quando senti uma tremenda dor na nuca. Eu havia levado um belo dum sopapo na minha cabeça que veio acompanhado de uma voz rouca que gritou:
-pedala Robinho!
Eu havia levado um tapa do excelentíssimo senhor presidente da república federativa do Brasil e ainda estava tentando assimilar a situação. Ele, nem me olhou direito e parecia estar me confundindo com alguém. Fiquei na minha e empinei minhas orelhas.
-Sabe companheiro, eu ainda vou dar um desses naquele Esperto Jefferson. Vai ser uma pedalada tão forte que ele vai ficar com dor de cabaça até a próxima denúncia. Até a próxima denúncia não –corrigiu-se o presidente –Ele vai ficar com a cuca doendo até o fim do mandato. E ele continuou, como quem estava realmente precisando desabafar: –eu tenho que resolver logo essas denúncias. Não estou tendo concentração mais para nada. Até com a Mariza as minhas medidas tem sido muito provisórias e está faltando até o apoio da bancada do lulinha, que nem na época de greves do ABC me deixava na mão.
-Mas diga-me, companheiro Etenildo, você ainda enfrenta problemas com a sua semelhança com o Bob esponja?, perguntou-me ele enquanto pela primeira vez me olhava nos olhos. Uma momento de silêncio instalou-se entre a primeira e a segunda pergunta, que veio em um tom bem diferente de voz:
-Mas, o que é isso? O que que você está fazendo aqui? Você não é o meu amigo Etenildo, sentenciou o presidente que gritou: -Segurança, Segurança, tem um invasor na festa.

Estava armado o barraco e em meio aos comentários mais bizarros fui expulso da festa. O José desgenuíno falou que eu era o Roberto Jefferson. O José desceu disse que na verdade eu era da imprensa e que estava com uma câmera escondida enquanto que a dona Mariza afirmou de pé junto que na verdade eu era o Dilúvio Soares. Teve até quem duvidasse da minha masculinidade e afirmasse que eu era a secretária do Marcos Malério disfarçada de pipoqueiro. O fato é que eu fui levado diretamente para o aeroporto e despachado para o Rio de Janeiro. Cheguei em casa no domingo de manhã todo sujo de lama e ainda tive que aturar as reclamações da minha mulher perguntando onde eu havia passado a noite e como eu havia conseguido sujar a calça de lama até a altura dos joelhos.
–Essa é uma longa história, respondi para ela, e realmente a verdade estava comigo.




*Heráclito, o pipoqueiro cronista gosta de fazer pipocas e escreve nas horas vagas para o incomensuravel.