O Medo
Às vezes, eu sinto ele aproximar-se. E como ele chega depressa. Me vence tão facilmente que me entrego como um soldado cansado e faminto. Me rendo a ele mesmo que a minha vontade lute contra. Vencido, anseio apenas me recolher a um lugar inalcançável e ali ficar sem ser atingido nem mesmo pelo tempo. Mas esse lugar eu não encontro. Procuro, mas não o encontro. Então eu apenas convivo com este aniquilador sentimento que toma conta de mim.
A origem dele está na reflexão e nada me afasta dessa teoria. A maldita reflexão sempre antecede o medo. Pensar em fazer algo já é questionar e esse questionamento, com suas infindáveis possibilidades, invariavelmente leva ao medo. Tudo o que deve ser dito ou feito é tão claro, tão completo. Mas aí vem a reflexão. Dominam-me as inferências acerca do futuro. Dominam-me as possibilidades; de um não, de uma indiferença, de um julgamento. Domina-me o medo. Se ao menos eu não refletisse tanto, talvez ele não tivesse tempo de tomar conta de mim. E aí, eu poderia, como que por instinto, agir, apenas agir. O possível arrependimento poderia algumas vezes tomar conta de mim, mas ao menos seriam algumas vezes. Mas não. Eu sempre tenho que pensar, sempre tenho que refletir e sempre tenho que acreditar que nada é possível. Sempre tenho que crer que o fracasso será o resultado. Sempre tenho que fugir e procurar o tal local inalcançável. Um lugar onde eu não chego. À sua procura eu recolho-me e apenas o medo passa a ser a minha companhia.
Certos inimigos sempre conseguem a vitória e um bom adversário sabe reconhecê-los. Eu reconheço e o conheço muito bem. Sempre que tento me afastar dele, ele faz se presente como se quisesse provar que pode me vencer. Ele, o medo, sempre consegue. Talvez um dia quem sabe eu possa vencê-lo. Crer nessa possibilidade talvez seja algo reconfortante, mas as coisas reconfortantes sempre andam lado a lado com a ilusão. Iludido, eu acredito que um dia eu possa vencê-lo. Iludido eu permaneço dominado por ele. Iludido eu tenho medo, muito medo. Medo do futuro, de ser eu mesmo, de buscar, de dizer, de ser aceito, de ter, de manter, de alcançar, e o pior de todos os medos: o medo de ao menos tentar.