Escritos e reflexões de uma mente atordoada Fora dos ilimitados limites da razão

quarta-feira, outubro 12, 2005

Porrada, muita porrada, ou: Quando eu tinha dez anos.

Dia desses estava eu na locadora escolhendo um dvd, quando presenciei um diálogo que me fez lembrar um pouco a minha infância:

-Pega esse aqui mãe.

-Esse não.

-Ah, vai mãe, por favor.

-Não minha filha, ninguém merece Kill Bill de novo. -Você já viu esse filme três
vezes.

E a garotinha que aparentava ter no máximo dez anos teve que se conformar.

Quando eu tinha dez anos era fã dos filmes do Jean Claude Van Dame. Só “O grande Dragão branco” eu assisti umas cinco vezes. Quando chegava na locadora, corria para a parte de ação e pegava a primeira fita que tinha uma cara fazendo pose de briga e entregava para o meu pai. Quase sempre ele acatava a minha escolha.

Eu adorava aqueles filmes, mesmo sendo todos sempre bem parecidos. Eram histórias de vingança, superação e amor regadas a sangue e muita porrada. Na última cena, o mocinho sempre apanhava até quase não agüentar mais. Ele apanhando e eu ali, na expectativa da virada. E a reviravolta sempre ocorria. O cara levantava-se com muito esforço, todo sangrando, e via todas as suas motivações passarem pela sua mente. Olhava para o adversário e com um só golpe o derrubava. Eu extasiava, comemorando energicamente o trunfo do herói que quase sempre terminava nos braços de alguma amante.

Nos meus dez anos eu adorava ver porrada. Mas quando ela saía da televisão eu nunca conseguia agir como os meus heróis. Quando se tem 10 anos, as brigas de rua parecem colocar em risco toda a sua vida. Uma briga pode determinar o nível da sua coragem perante toda a vizinhança. Correr, nem em último caso, já que a fama de covarde era bem pior que a dor dos hematomas. No meu caso, ou eu batia ou batia já que se chegasse em casa chorando apanhava mais ainda. Era a lógica da criação machista: volta lá e bate, bate muito. E eu ia lá. Não era muito bom nos punhos, mas a sorte sempre estava comigo.

Em uma briga, eu ia ser atingido por uma voadora, o golpe mais hábil daquele tempo, quando eu desviei e o garoto enroscou-se na grade da quadra de futebol. Outra vez, eu havia sido pego de surpresa e o meu adversário estava segurando o meu pescoço através de uma espécie de gravata. Sem outras opções não pensei duas vezes e mordi o braço do meu vilão com toda a minha força. Ele ficou lá gritando de dor e todos ficaram discutindo se uma mordida era digna ou não. Prevaleceu a opinião de que a mordida estava valendo, já que ele tinha me pego de surpresa.

O mais legal de quando se tem 10 anos é que as desavenças sempre se resolvem no dia seguinte. Um dia após estar odiando o meu inimigo com todas as forças, estava eu jogando bola com o agora amigo. Isso é o que falta no mundo de hoje. Se os grandes líderes mundiais tentassem resolver suas desavenças em uma velha briga de rua, muitas mortes seriam evitadas. Muita porrada em um dia e amizade no dia seguinte. Seria muito bom se todos resolvessem suas desavenças assim, como garotos de 10 anos.