Escritos e reflexões de uma mente atordoada Fora dos ilimitados limites da razão

quinta-feira, maio 26, 2005

Alguns clientes e muitas pipocas

Heráclito, o pipoqueiro cronista*


-Doce ou salgada?, emiti as palavras que indicam o questionamento mais recorrente no meu ofício, com a impressão de que aquele engravatado não me era estranho.
-Salgada, respondeu ele, e foi aí que eu disse pra mim mesmo: Eureka. Precisei confirmar e como quem nada quer, enquanto salgava a sua pipoca, ia sondá-lo quando ele mudou de idéia e disse:
-Salgada não, tire o meu nome desse lista e me dê a doce por favor.
Com a pipoca salgada pronta na minha mão, a chegada do carteiro Jairinho, um velho cliente meu, evitou o desperdício. Falastrão como sempre Jairinho, também chamado de Robinho por conta da sua semelhança física com o jogador santista, foi logo falando:
-Passa esse saquinho pra cá que eu vou mandar de sedez Express para o meu estômago. Quando ele viu o engravatado, não pensou duas vezes e quase que gritou:
-Caraca aí, Tu num é o Romero Jéferson, aquele maluco da previdência que deu uma fazenda fantasma como garantia para um empréstimo?
-Romero Jefferson?, eu sou o Roberto Jéferson. O ministro da previdência é o Romero Jucá e as denúncias contra ele são todas calúnias. Ele disse que ia me ajudar a tirar assinaturas para a CPI. E maluco é o tal do Elias que matou o Tim Lopes e foi condenado hoje a 28 anos de prisão.
-Desse Elias maluco eu posso falar, entrou na conversa Dona Maria, a vendedora de tapioca que estava passando na hora. O seu olhar encheu-se de revolta e ele disse: -a prima da filha da minha tia de terceiro grau por parte de pai teve o Marido e dois filhos mortos por esse assassino.
-Ué, mas eles não falaram disso aí na globo. Lá eles falaram que o cara matou o Tim Lopes e nada mais, exclamou assustado o carteiro.
- E falaram que tu pediu propina pra num sei quem também, acrescentou apontando para o Roberto Jéferson.
- Eu sou inocente, tire o meu nome dessa lista. Defendeu-se o deputado.
Nesse mesmo instante chegou um garotinho com uma flor na mão pedindo um pouco de pipoca. Garotinhos não combinam com flores, mas aquela flor que ele segurava não era qualquer flor. Era um pequena rosa que tinha um algo a mais. A rosinha que ele segurava chegava a combinar tanto com ele que os dois pareciam formar uma só pessoa. Coloquei em pouco de pipoca para ele enquanto o carteiro e o Roberto Jefferson discutiam amigavelmente. Quando o garotinho foi embora, os dois pareciam estar quase se entendendo quando eles notaram que suas carteiras haviam sumido.
-Garotinho ladrão, exclamaram os dois ao mesmo tempo. O carteiro, acostumado com o centro da cidade, correu até o chamado beco da desova e encontrou o garotinho negociando a compra de votos para a eleição de representante escolar com o dinheiro roubado. Quando viu Jairinho, tentou dribá-lo, mas para o seu azar o carteiro tinha a manha das ruas e em um só movimento pegou o Garotinho pela Orelha e tomou o dinheiro dele. Sem nunca se separar da Rosinha, o Garotinho foi pego em flagrante, mas mesmo assim negou veementemente. O carteiro, retornou à minha carrocinha e foi saudado por Roberto Jéferson que agradeceu veementemente:
-Muito obrigado, muito obrigado mesmo. escuta, eu não vou te oferecer nada aqui como recompensa porque nós podemos estar sendo gravados por uma câmera escondida. Pega aqui o meu cartão e passa lá no meu gabinete em Brasília que eu te arrumo um cargo lá pra você, disse o deputado enquanto apertava a mão do carteiro.
-Ih, chefe, pode deixar, ta tranqüilo, cola o selo e tá tudo certo, respondeu Jairinho.
Os dois puderam então saborear suas pipocas tranqüilamente e tudo não acabou em pizza, mas acabou em pipoca.



*Heráclito, o pipoqueiro cronista, escreve para o incomensurável com uma regularidade tão inconstante quanto o estourar de um milho de pipoca.