Irritabilidades
Hoje eu não vou me irritar, esse foi o primeiro pensamento que ocupou a mente de Cleosvaldo numa típica sexta-feira. A proximidade do tão esperado fim de semana era mais um indício de que aquele dia,cujos primeiros raios de sol fizeram questão de atingir a sua janela tal qual um dia cantou Renato Russo, seria no mínimo sereno e manteria qualquer irritação bem distante dele. Cleosvaldo era um sujeito tão incomum quanto o seu nome. Trabalhava em uma firma funerária canina, possuía não um carro, mas uma carroça, namorava uma mulher 20 anos mais velha e para completar criava um jacaré um sua banheira residencial. Mais singular ainda eram os motivos que despertavam a sua ira.
O que mais o enfurecia não eram as derrotas do seu time de coração pois ele nem mesmo gostava de ver 22 homens correndo atrás de uma bola para depois chutá-la. Os longos engarrafamentos dos quais diariamente era vítima também não eram capazes de despertar o seu furor. O que mais o encolerizava eram realmente os seus representantes políticos. Aqueles homens engravatados que eram pagos para cuidar dos seus direitos eram constantemente submetidos à avaliação de Valdo, como era conhecido entre os amigos. Quando questionado acerca do seu interesse por política ele apenas respondia: -Sou cidadão e sou eu quem paga os salários desses caras, afirmava em um sereno tom de voz, pois o seu gosto por política era inversamente proporcional ao interesse por discussões que tivessem Brasília como palco principal.
Descrito o personagem principal, como manda o manual dos contos contados, passemos à ação. Hoje eu não vou me irritar era o pensamento que ainda tomava conta de Valdo e ele fazia questão de mantê-lo recorrente enquanto saía de casa. Viu o lixo revirado pelos cachorros mas lembrou da máxima que iria guiar o seu dia: Hoje eu não vou me irritar. Foi parado por Dona Beatonilda que queria conversar sobre o relacionamento entre Brad Pitt e Anjelina Jolie e mais uma vez lembrou: Hoje eu não vou me irritar. Dirigiu-se para o ponto de ônibus, esperou quase uma hora por um coletivo, viajou mais amassado que camisa em boca de sapo, teve seu pé não pisado, mas esmagado, desceu no ponto errado; mas sempre pensando: Hoje eu não vou me irritar. Desceu do ônibus e enquanto recebia um fora da sua namorada pelo telefone pisou nos dejetos de algum poodle; desviou-se o quanto pode dos entregadores de papeizinhos de propaganda de agiota e de termas sempre tendo em mente: Hoje eu não vou me irritar. Foi quando ele avistou uma banca de jornais. Ah, uma banca de jornais era como um oásis para Valdo só comparável a uma livraria. O saber, ou pelo menos a tentativa de produzi-lo emanava daquela simples banca de jornais. A gigantesca caixa de informações atraiu Valdo como um imã. Ele parou então para ler as manchetes dos jornais e pela primeira vez no dia sorriu. Estava lá em letras garrafais: “Deputado André Luiz foi cassado” e “Parlamentares decidem reformar os seus apartamentos para reduzir os gastos com o auxílio moradia”.
-Ao menos duas notícias boas, pensou em voz alta Valdo. E esse foi o seu erro, pois ao seu lado havia em desses críticos populares que respondeu:
-Notícia boa?
-É ué, finalmente cassaram um deputado, engatou a conversa Valdo.
-E não fizeram mais que a obrigação deles. O tal do Pedro Corrêa, que por um acaso é líder do partido daquele idiota do Severino, já teve o seu processo de cassação arquivado ontem. Tinham que pelo menos cassar esse quatro-olhos da zona oeste aí do André Luiz.
Valdo começava a sentir o sangue esquentar em suas veias, mas tentava acalmar-se tentando repetir: Não me irritar. Virou-se para o sujeito e disse:
-Mas pelo menos a outra notícia é verdadeira né? Eles vão reformar os apartamentos e economizar muito dinheiro.
-Economizar é o caramba. Eles já tiveram um aumento de 30 por cento na verba ministerial deles. Abrem um buraco negro no orçamento e depois espalham para a mídia que estão contendo gastos.
-Não, Não e Não. Repetia Valdo enquanto sua vista começava a embaçar, sua cabeça doer como vítima de uma terrível enxaqueca e sua pela aos poucos mudava de cor. Ele repetia Não e começava a emitir grunhidos enquanto seus músculos iam saltando por entre sua camisa e aos poucos rasgando o seu paletó. R$359,90 em forma de tecido eram aos poucos rasgados e desmanchavam-se como papel molhado.
Em 10 segundos a banca já estava totalmente vazia e todos admirados observavam aquela figura vinda diretamente das histórias em quadrinhos. Valdo havia dobrado em tamanho e estava verde. Não um verde claro, mas um verdadeiro verde digno da mais alta fúria que nele só poderia ser despertada por duas coisas: Por aquela coisa melosa que o Felipe Dilon chama de música e pela percepção de que algumas centenas de engravatados riem da cara de 180 milhões de brasileiros enquanto fingem trabalhar na distante cidade da Brasilópolis. Valdo havia falhado em sua árdua tarefa diária de não irritar-se. Graças à nossa classe política ele havia provado que o Brasil também possuí super-heróis.
O que mais o enfurecia não eram as derrotas do seu time de coração pois ele nem mesmo gostava de ver 22 homens correndo atrás de uma bola para depois chutá-la. Os longos engarrafamentos dos quais diariamente era vítima também não eram capazes de despertar o seu furor. O que mais o encolerizava eram realmente os seus representantes políticos. Aqueles homens engravatados que eram pagos para cuidar dos seus direitos eram constantemente submetidos à avaliação de Valdo, como era conhecido entre os amigos. Quando questionado acerca do seu interesse por política ele apenas respondia: -Sou cidadão e sou eu quem paga os salários desses caras, afirmava em um sereno tom de voz, pois o seu gosto por política era inversamente proporcional ao interesse por discussões que tivessem Brasília como palco principal.
Descrito o personagem principal, como manda o manual dos contos contados, passemos à ação. Hoje eu não vou me irritar era o pensamento que ainda tomava conta de Valdo e ele fazia questão de mantê-lo recorrente enquanto saía de casa. Viu o lixo revirado pelos cachorros mas lembrou da máxima que iria guiar o seu dia: Hoje eu não vou me irritar. Foi parado por Dona Beatonilda que queria conversar sobre o relacionamento entre Brad Pitt e Anjelina Jolie e mais uma vez lembrou: Hoje eu não vou me irritar. Dirigiu-se para o ponto de ônibus, esperou quase uma hora por um coletivo, viajou mais amassado que camisa em boca de sapo, teve seu pé não pisado, mas esmagado, desceu no ponto errado; mas sempre pensando: Hoje eu não vou me irritar. Desceu do ônibus e enquanto recebia um fora da sua namorada pelo telefone pisou nos dejetos de algum poodle; desviou-se o quanto pode dos entregadores de papeizinhos de propaganda de agiota e de termas sempre tendo em mente: Hoje eu não vou me irritar. Foi quando ele avistou uma banca de jornais. Ah, uma banca de jornais era como um oásis para Valdo só comparável a uma livraria. O saber, ou pelo menos a tentativa de produzi-lo emanava daquela simples banca de jornais. A gigantesca caixa de informações atraiu Valdo como um imã. Ele parou então para ler as manchetes dos jornais e pela primeira vez no dia sorriu. Estava lá em letras garrafais: “Deputado André Luiz foi cassado” e “Parlamentares decidem reformar os seus apartamentos para reduzir os gastos com o auxílio moradia”.
-Ao menos duas notícias boas, pensou em voz alta Valdo. E esse foi o seu erro, pois ao seu lado havia em desses críticos populares que respondeu:
-Notícia boa?
-É ué, finalmente cassaram um deputado, engatou a conversa Valdo.
-E não fizeram mais que a obrigação deles. O tal do Pedro Corrêa, que por um acaso é líder do partido daquele idiota do Severino, já teve o seu processo de cassação arquivado ontem. Tinham que pelo menos cassar esse quatro-olhos da zona oeste aí do André Luiz.
Valdo começava a sentir o sangue esquentar em suas veias, mas tentava acalmar-se tentando repetir: Não me irritar. Virou-se para o sujeito e disse:
-Mas pelo menos a outra notícia é verdadeira né? Eles vão reformar os apartamentos e economizar muito dinheiro.
-Economizar é o caramba. Eles já tiveram um aumento de 30 por cento na verba ministerial deles. Abrem um buraco negro no orçamento e depois espalham para a mídia que estão contendo gastos.
-Não, Não e Não. Repetia Valdo enquanto sua vista começava a embaçar, sua cabeça doer como vítima de uma terrível enxaqueca e sua pela aos poucos mudava de cor. Ele repetia Não e começava a emitir grunhidos enquanto seus músculos iam saltando por entre sua camisa e aos poucos rasgando o seu paletó. R$359,90 em forma de tecido eram aos poucos rasgados e desmanchavam-se como papel molhado.
Em 10 segundos a banca já estava totalmente vazia e todos admirados observavam aquela figura vinda diretamente das histórias em quadrinhos. Valdo havia dobrado em tamanho e estava verde. Não um verde claro, mas um verdadeiro verde digno da mais alta fúria que nele só poderia ser despertada por duas coisas: Por aquela coisa melosa que o Felipe Dilon chama de música e pela percepção de que algumas centenas de engravatados riem da cara de 180 milhões de brasileiros enquanto fingem trabalhar na distante cidade da Brasilópolis. Valdo havia falhado em sua árdua tarefa diária de não irritar-se. Graças à nossa classe política ele havia provado que o Brasil também possuí super-heróis.