Escritos e reflexões de uma mente atordoada Fora dos ilimitados limites da razão

segunda-feira, abril 25, 2005

Sendo simples*

Estou eu em casa em uma tarde de segunda-feira quando recebo uma ligação. Do outro lado da linha está um amigo meu, o Bruno que inicia a conversa com aquele famoso papo: -e aí, beleza? Tudo bem? Olha só to ligando para falar sobre as programações da igreja porque é preciso lembrar. -Quinta nós vamos ter o picnic, prossegue ele. Eu respondo que já possuo conhecimento do horário e de tudo mais. - Isso mesmo, ele responde. -E domingo vamos ter a aula lá no shopping, ta sabendo né?
-Sei Bruno, vai começar tal hora e vamos fazer tal coisa e tal, respondo mais uma vez mostrando que estou a par da situação. Nesse momento já ficou óbvio para mim que ele não havia me ligado para falar apenas sobre o que eu já sabia e além do mais ele havia pulado as informações sobre o sábado, no qual eu já sabia qual seria a programação. Foi aí que ele foi direto ao assunto e as minhas suspeitas confiramram-se quando ele disse: -no sábado vai ter a festa lá na casa da Adriene, ta sabendo né? -Vai começar tal horas e tal e eu tava pensando em você para fazer o devocional. -O que vc acha? É tranqüilo cara. -Vc sabe fazer isso. -Agente vai cantar uns louvores, aí você lê a bíblia lá, fala Pessoal Deus ama a todos e amém, acabou. -Tranquilão cara, encerra ele. Como resultado de ter dito sim preparei o bendito devocional.
É incrível como o Bruno consegue simplificar as coisas. O devocional que eu deveria fazer para ele se resume a um ler a bíblia e amém. Se eu fosse fazer isso, seria mais rápido que o novo avião do Lula. Eu fico imaginando o Bruno explicando a bíblia com essa simplicidade e foi aí que eu parei para pensar um pouco sobre isso tudo. Como as vezes nós conseguimos complicar coisas que são tão simples de uma tal forma que elas nem parecem mais as mesmas.
Jesus é o melhor exemplo de alguém que não gostava muito de complicaras coisas. Quando questionado sobre o mais importante dos mandamentos, resumiu toda a lei de Moisés e os ensinamentos dos profetas em dois mandamentos: “Amarás ao Senhor teu Deus com toda a tua alma, todo o teu coração e todo o teu entendimento” e “Amarás o teu próximo como a ti mesmo . (Mt 22:37)
Quem adora complicar as coisas é realmente a raça humana. Nisso nós somos imbatíveis. Deus criou o mundo, revelou-se aos judeus através de milagres e os guiou através de Moisés. Seus ensinamentos eram passados através dos profetas até que a maior de todas as profecias foi cumprida. Ele enviou seu filho e através dele fez-se carne vivendo como nós entre nós. Anunciou que ele era o caminho, a verdade e a vida e cumprindo as profecias foi crucificado, para no terceiro dia ressuscitar. A partir daí, quem receber Jesus em sua vida como senhor e Salvador, seguir esse manual de instruções aqui e for batizado, receberá o espírito santo e herdará a vida eterna.
Uma infinidade de pessoas acredita nisso aqui, mas temos uma infinidade de igrejas que não concordam com a forma de tomar a ceia ou com a forma de orar ou com a forma de fazer isso ou aquilo. O resultado é são quase três mil igrejas evangélicas só no Brasil. O simples está sendo cada vez mais complicado. A essência do cristianismo é a mesma e basta seguir esses mandamentos, no entanto complicamos tanto as coisas que inventamos quase três mil formas diferentes de seguir esses mandamentos. Esse é o primeiro sentido para a simples. A simplificação do sentido do que acreditamos.
Um segundo sentido seria a maneira como nós fazemos as coisas. Certas vezes nós estabelecemos alguns rituais para lidar com Deus e acabamos complicando o nosso relacionamento com ele. Os complicados rituais para coisas simples existiam muito na França sobre o reinado de Luiz XIV. O simples despertar do rei e da rainha eram cercados de rituais que demarcavam toda a hierarquia da corte que os cercava.
A Rainha por exemplo era desperta por uma criada que dormia logo aos seus pés. As portas são abertas para que uma das criadas fosse para a cozinha providenciar o café. Enquanto a rainha ainda estava deitada, uma outra criada colocava-se à porta deixando entrar apenas as senhoras que tinham o privilégio do acesso. Uma primeira criada vestia-lhe a saia de baixo e o vestido, entretanto se uma princesa da família por acaso estivesse presente, era ela quem tinha o privilégio de pôr a blusa na rainha.
Certa vez, a rainha acabara de ser despida por suas damas. A criada de quarto estava segurando a blusa e ia entregá-la à dama de honra quando a duquesa de Órlenas entrou. A dama de honra devolveu a blusa à criada, que pretendia justamente entregá-la à duquesa quando chegou a condessa de Provence, nobre de um nível superior ao da duquesa. Assim, a blusa passou novamente para a dama de honra e só então a rainha foi recebê-la, das mãos da condessa de Provence. Durante todo aquela tempo ela permaneceu nua como Deus a pôs no Mundo.
A cerimônia do despertar da rainha mostra muito bem como objetivo principal do ato era muitas vezes superado por uma etiqueta que funcionava como símbolo de distinção social. E é exatamente isso que fazemos muitos vezes para nos aproximarmos de Deus. O tratamos como um Deus tão inatingível que não acreditamos sermos dignos de falar com ele. A simplicidade está no fato de falarmos com Deus através da oração. Para isso ele não especificou nenhum lugar. Não precisamos subir em um monte, colocarmos uma roupa especial para falar com Deus. Podemos falar com ele a qualquer momento e Jesus ao falar sobre a oração em Mateus 6:5 afirma que Deus já sabe o que nós precisamos antes de pedirmos. Nós temos apenas que falar com ele.
Em Marcos 11:24 ele afirma que quando oramos e pedimos alguma coisa, devemos crer que já a recebemos , e assim tudo nos será dado. Nosso relacionamento com Deus não precisa seguir rituais. Ele deve ser direto, mediado apenas pelo espírito santo e nada mais.
Um terceiro ponto em relação à simplicidade é a forma como vivemos. Procurando no Pai dos inteligentes eu descobri que um dos significados para simples é a humildade. No capítulo 11 de Hebreus, quando a bíblia fala sobre fé, utiliza como exemplo vários homens que a cultivaram. Esses homens não são exaltados pelo o que possuíam ou pela prosperidade, sucesso ou poder que alcançaram nesta vida. Todos declararam que eram estrangeiros de passagem por esse mundo. É exatamente isso que todos nós somos, estrangeiros nesse mundo e como estrangeiros não faz sentido complicarmos demais as nossas vidas em um local onde logo não estaremos mais. Vivendo em um mundo cada vez mais complicado é preciso ser simples.

*texto que eu preparei para o devocional da reunião dos jovens da minha igreja realizada no último sábado.